Nos lugares escuros da sabedoria

Por: Markus Hediger 

 

Esta obra de Peter Kingsley, autor até então inédito no Brasil, nos leva de volta às origens da civilização ocidental, que, segundo o autor, teve início com os pré-socráticos. 

Kingsley toma como ponto de partida um poema de Parmênides, no qual o filósofo é carregado para o submundo, onde é instruído pela deusa do mundo dos mortos. 

E é justamente aí que estão as raízes de nossa civilização, no contato com uma outra realidade, onde filosofia, cura, religião e legislação não eram coisas separadas, mas intimamente ligadas. Como Kingsley mostra, os filósofos que hoje consideramos os pais da filosofia moderna, eram muito mais do que isso, eram também sacerdotes e curadores, mestres na antiga prática da incubação, que conduzia seus praticantes para o mundo dos mortos, onde recebiam cura ou instruções ou até mesmo leis para trazê-las para o mundo dos vivos.

Peter Kingsley entrelaça as histórias sobre a Grécia antiga com relatos de descobertas arqueológicas, tecendo assim uma narrativa que conecta o mundo antigo com nosso mundo moderno, numa tentativa de reconectá-los ou de, como diz o autor, lembrar-nos daquilo que esquecemos. 

O autor faz também um grande esforço para nos mostrar como nos esquecemos dessa nossa origem e passamos a confiar exclusivamente nas faculdades da razão, desprezando os deuses e a sabedoria que deles provinha e ajudou a criar a nossa civilização. Ele narra minuciosamente como Platão tramou “matar” Parmênides e descartar a importância do contato com o “outro” mundo, a “outra” realidade e como sua tentativa foi altamente bem-sucedida. 

A tom da narrativa de Kingsley é leve. A leitura do livro é gostosa, mas, ao mesmo tempo, inquietante. Percebe-se durante toda a leitura um tom de grande urgência na escrita de Kingsley diante da necessidade de nos lembrarmos de nossa origem. No entanto, o autor não oferece receitas prontas, não aponta o caminho que o leitor deve trilhar para se reconectar com suas origens. Antes, o livro funciona como um oráculo grego: ele oferece uma plenitude de imagens que o leitor deve guardar no peito como sementes, na esperança de que, algum dia, elas brotem e lhe revelem seu sentido. 

Para mim, como tradutor deste pequeno livro, sua tradução foi um dos trabalhos mais difíceis, pois a escrita de Peter Kingsley é – embora leve na superfície – infinitamente delicada, cuidadosa e minuciosa. Cada palavra tem seu sentido e peso exatos, nenhuma palavra é supérfluo, nenhuma palavra preenche apenas um espaço entre outras. Tentei tratar a tradução com o mesmo cuidado que o autor dedicou à sua escrita para que o leitor – em sua leitura igualmente cuidadosa – pudesse ter acesso à rica linguagem e ao profundo significado que o autor conferiu a este livro transformador.

 

 

 


Markus A. Hediger é formado em Letras e Teologia e mestre em Linguística pela Universidade de Zurique. É tradutor de diversas obras de autores junguianos e dos Livros Negros, de C.G. Jung. Com A renovação da Antiguidade pagã, de Aby Warburg, Markus foi finalista do Prêmio Jabuti de 2014 na categoria tradução. Além de tradutor, é poeta e palestrante. Atualmente, vive entre a costa baiana e o continente europeu.